Funai aponta "violência desmedida" de seguranças de PCHs contra indígenas e passividade da PM
Em 25 de junho, um grupo de indígenas foi baleado com balas de borracha por seguranças das hidrelétricas
A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) apresentou um pedido para que a Justiça Federal rejeite uma ação das donas das Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) do Complexo Juruena contra a comunidade da etnia Enawene-Nawe. Em 25 de junho, um grupo de indígenas foi baleado com balas de borracha por seguranças das hidrelétricas em Campos de Júlio.
De acordo com a Funai, houve "violência desmedida" dos funcionários cometida sob "olhares passivos" da Polícia Militar. Estão instaladas na região as PCHs Rondon, Parecis, Telegráfica e Campos de Júlio, operadas pela Hydria Participações e Investimentos S/A, uma empresa ligada aos grupos Amaggi e Bom Futuro.
Os indígenas foram até a área para protestar pedindo a revisão de um acordo que prevê indenização pela instalação das usinas. A Funai aponta que os Enawene-Nawe faziam protesto pacífico, sem presença de armas, quando foram baleados pelos seguranças.
"Como se vê Exa., não se tem notícias que a comunidade tenha se dirigido ao local do evento munida com armas de fogo ou qualquer artefato impondo riscos à coletividade ao patrimônio, ao contrário, foram reprimidos, sem motivo algum, com violência desmedida pelos prepostos da autora e sobre os olhares passivos da Policia Militar do Estado de Mato Grosso", diz trecho do documento.
Os Enawene-Nawe afirmam que desde que o acordo foi firmado, com previsão de pagamentos mensais em troca da saída dos indígenas de áreas ocupadas à época, em 2010, a quantidade de peixes no Rio Juruena caiu consideravelmente e há uma "crescente necessidade de aquisição de peixes, tanto para alimentação quanto para seus rituais sagrados, decorrente do alegado impacto dos empreendimentos sobre a ictiofauna local".
César Augusto Lima do Nascimento, procurador da Funai, apresentou um relato da situação ocorrida entre 25 e 27 de junho com acompanhamento de duas servidoras do órgão.
Segundo o documento, um advogado do Grupo Bom Futuro contatou a Funai por volta de meio dia do domingo (25) informando que os indígenas se deslocavam para alguma das PCHs em Sapezal, o que depois foi identificado que se tratava da PCH Rondon, em Campos de Júlio. Já por volta das 16h do mesmo dia, um agente da Polícia Rodoviária Federal (PRF) informou ter abordado vários veículos de indígenas em deslocamento para a PCH.
A servidora da Funai tentou contato com os Enawene e eles retornaram a ligação posteriormente, afirmando que iriam se reunir com representantes da empresa para negociar na área das PCHs.
Por volta das 21h ainda do domingo, a Funai começou a receber informações de baleados em deslocamento para o hospital, com fotos e vídeos da situação.
Às 23h, enfermerias e a assistente social da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) informaram que se preparavam para sair de Brasnorte para Sapezal, a 233 km de distância, para averiguar a situação. Havia preocupação especial pela presença de crianças e mulheres no grupo atacado.
A situação se desenrolou na segunda-feira (26), quando chegaram notícias de indígenas acampados em um pesqueiro limítrofe ao território do Enawene-Nawe em Sapezal. Eles estavamm sem combustível para voltar à aldeia e sem alimento. Outros Enawene que estavam na aldeia Kotakowinakwa/Doloiwikwa relataram sobrevoos na noite anterior.
Apenas na segunda-feira a chefe da CTL Vilhena II, Iana Moura, obteve autorização para se deslocar até a região. A viagem seria feita em carro oficial, mas um dos advogados da Bom Futuro afirmou que a empresa já havia preparado um voo para levar a servidora.
Indígenas foram atingidos por balas de borracha e chumbo ao protestar por melhores condições
Moura informou que estava acompanhada de Xoxokwa, indígena Enawene, e que haveria dificuldade de deslocamento na chegada sem o veículo oficial. O advogado permitiu a presença do indígena e prometeu apoio com caminhonete no local.
A servidora da Funai relatou que na chegada havia carros deixados no meio da estrada, um deles queimado. Orientada por advogados e um diretor da Bom Futuro, Moura foi até o local onde os indígenas estavam.
"Os primeiros relatos colhidos foram de uma recepção extremamente violenta por parte dos funcionários da PCH Rondon. Houve denúncias e reclamações por terem sido vítimas de disparos de tiros de chumbo, tido parte de seus veículos apreendidos e danificados pelos funcionários e de estarem sem o que comer e nem beber. Tentativas de reaver pertences (entre eles, alimentos) no interior de seus veículos ou de se aproximar do córrego para beber água teriam sido rechaçadas por tiros de bala de borracha e perseguições de veículos, com ameaças de atropelamentos. Cartuchos esvaziados na noite anterior foram coletados pelos Enawene eentão entregues à servidora da Funai. Projéteis de chumbo foram alegadamente retirados das costas de Kodaitene, acomodados num vasilhame e igualmente apresentado como registro do ocorrido à chefe da CTL Vilhena II", diz trecho do relatório da Funai.
Segundo a servidora, um grupamento da PM chegou ao local e o comandante da equipe "recusou-se a apertar a mão da servidora da Funai que a ele se apresentou".
O militar teria apenas dito "que vocês saiam da beira da estrada", e teria ignorado "os apelos de que se tratava de uma servidora pública tentando intermediar a resolução pacífica para uma situação de conflito".
"Na impossibilidade de qualquer diálogo, em face da reiteração da postura de intransigência por parte do comandante da PM, a servidora retirou-se do local e retornou ao veículo da PCH na companhia de Xoxokwa, que os levou de volta à sede da usina", afirma, destacando ainda que PM e seguranças da usina se organizavam conjuntamente no pátio da usina.
Os representantes da empresa chegaram a concordar em fornecer comida e água aos indígenas, mas teriam voltado atrás por determinação da PM, que estaria "à flor da pele" e proibiu presença do indígena Xoxokwa dentro da PCH e o registro fotográfico da situação.
Dadas as condições, a servidora da Funai recolheu suas coisas da caminhonete da empresa e saiu da PCH a pé junto do indígena, fotografando a situação dos veículos na estrada.
Houve negociação durante o restante do dia. Os representantes da empresa pediam para conversar apenas com 10 indígenas sobre a desmobilização, e afirmaram que iriam bancar o retorno deles à aldeia.
Na terça-feira (27), os Enawene haviam retornado, mas reclaram à Funai que seus documentos ficaram no local do conflito.
MIKHAIL FAVALESSA
Da Redação
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